sábado, 16 de outubro de 2010

Breve histórico das canções que marcaram e ERA DA DITADURA!

Acorda Amor
(Julinho de Adelaide / Leonel Paiva - 1974)
Intérprete: Chico Buarque

Acorda amor
Eu tive um pesadelo agora
Sonhei que tinha gente lá fora
Batendo no portão, que aflição
Era a dura, numa muito escura viatura
minha nossa santa criatura
chame, chame, chame, chame o ladrão
Acorda amor
Não é mais pesadelo nada
Tem gente já no vão da escada
fazendo confusão, que aflição
São os homens, e eu aqui parado de pijama
eu não gosto de passar vexame
chame, chame, chame, chame o ladrão
Se eu demorar uns meses convém às vezes você sofrer
Mas depois de um ano eu não vindo
Ponha roupa de domingo e pode me esquecer
Acorda amor
que o bicho é bravo e não sossega
se você corre o bicho pega
se fica não sei não
Atenção, não demora
dia desses chega sua hora
não discuta à toa, não reclame
chame, clame, clame, chame o ladrão

Histórico: Após as canções “Cálice” e “Apesar de Você” terem sido censuradas pelo sistema repressivo, Chico Buarque achou que seria mais difícil conseguir aprovar alguma música sua pelos agentes da censura. Escreveu então “Acorda Amor” com o pseudônimo de Julinho de Adelaide para driblar a censura. Como ele esperava, a música passou. Julinho ainda escreveria mais 2 músicas antes de uma reportagem especial do Jornal do Brasil sobre censura, que denunciou o personagem de Chico. Após esta revelação, os censores passaram a exigir que as músicas enviadas para aprovação deveriam ser acompanhadas de documentos dos compositores.

Acorda Amor é um retrato fiel aos fatos ocorridos no período que teve seu ápice entre 1968 (logo após a decretação do AI-05) e 1976 quando, teoricamente, a tortura já não era mais praticada pelos militares. Diversas pessoas sumiram durante este período após terem sido arrancadas de suas casas a qualquer hora do dia ou da noite, e levadas para DOPS e DOI-CODI´s espalhados pelo Brasil. A falta de confiança era tão grande que as pessoas tinham mais medo dos policiais (que seqüestravam, torturavam, matavam e, muitas vezes sumiam com corpos) do que de ladrões. A ironia do compositor é tão grande que, quando os agentes da repressão chegam a casa chamam-se os ladrões para que sejam socorridos.

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Apenas um Rapaz Latino-Americano
(Belchior – 1976)
Intérprete: Belchior

Eu sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco
Sem parentes importantes e vindo do interior
Mas trago, de cabeça, uma canção do rádio
Em que um antigo compositor baiano me dizia
Tudo é divino, tudo é maravilhoso
Tenho ouvido muitos discos, conversado com pessoas,
caminhado meu caminho
Papo, som dentro da noite e não tenho um amigo sequer
E não acredite nisso, não, tudo muda e com toda razão
Eu sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco
Sem parentes importantes e vindo do interior
Mas sei que tudo é proibido aliás, eu queria dizer
Que tudo é permitido até beijar você no escuro do cinema
Quando ninguém nos vê
Não me peça que lhe faça uma canção como se deve
Correta, branca, suave, muito limpa, muito leve
Sons, palavras, são navalhas e eu não posso cantar como convém
Sem querer ferir ninguém
Mas não se preocupe meu amigo com os horrores que eu lhe digo
Isso é somente uma canção, a vida, a vida realmente é diferente
Quer dizer, a vida é muito pior
Eu sou apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco
Por favor não saque a arma no "saloon" eu sou apenas um cantor
Mas se depois de cantar você ainda quiser me atirar
Mate-me logo, à tarde, às três, que à noite tenho um compromisso
E não posso faltar por causa de você
Eu sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco
Sem parentes importantes e vindo do interior
Mas sei que nada é divino, nada, nada é maravilhoso
Nada, nada é sagrado, nada, nada é misterioso, não

Histórico: Escrita em 1976, a canção de Belchior caracteriza o Brasil da época de forma irônica. “Apenas um rapaz latino americano” é um protesto contra a repressão que censurava os artistas e, principalmente músicos da época.
Versos como “Por favor não saque a arma no "saloon" eu sou apenas um cantor / Mas se depois de cantar você ainda quiser me atirar / Mate-me logo, à tarde, às três, que à noite tenho um compromisso / E não posso faltar por causa de você” seriam quase como uma pergunta: O que vocês tanto têm a temer que não podem nem deixar que nós, que somos somente músicos, digamos e cantemos o que pensamos??

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Apesar De Você
(Chico Buarque – 1970)
Intérprete: Chico Buarque

Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão, não.
A minha gente hoje anda
Falando de lado e olhando pro chão.
Viu?
Você que inventou esse Estado
Inventou de inventar
Toda escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar o perdão.
Apesar de você
amanhã há de ser outro dia.
Eu pergunto a você onde vai se esconder
Da enorme euforia?
Como vai proibir
Quando o galo insistir em cantar?
Água nova brotando
E a gente se amando sem parar.
Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros. Juro!
Todo esse amor reprimido,
Esse grito contido,
Esse samba no escuro.
Você que inventou a tristeza
Ora tenha a fineza
de “desinventar”.
Você vai pagar, e é dobrado,
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar.
Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia.
Ainda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria.
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença.
E eu vou morrer de rir
E esse dia há de vir
antes do que você pensa.
Apesar de você
Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia.
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia.
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear, de repente,
Impunemente?
Como vai abafar
Nosso coro a cantar,
Na sua frente.
Apesar de você
Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia.
Você vai se dar mal, etc e tal

Histórico: No mesmo ano em que a seleção brasileira conquistou o tricampeonato mundial, as torturas e desaparecimentos de pessoas contrárias ao regime do general Médici eram constantes. Chico Buarque fez a letra dirigida exatamente à Médici, e enviou aos censores certo de que não passaria. Passou e foi gravada. O compacto atingia a marca de 100 mil quando um jornal insinuou que a música era uma homenagem ao presidente. A gravadora foi invadida e todas as cópias destruídas. Chico foi chamado a um interrogatório para prestar informações e esclarecer que era o “você” mencionado na música. “É uma mulher muito mandona, muito autoritária”, respondeu. A canção só seria regravada em 1978 num álbum que leva o nome do autor da música.

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