sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

CRÔNICA DO IMEDIATO...

O tempo divide-se entre o ontem, o hoje e o amanhã. Ontem já foi, e
amanhã, vá saber. Dito assim, fica fácil perceber qual das três etapas é
a mais importante. O presente, lógico. O passado é importante pela
bagagem que você traz de lá e o futuro só é importante no plano da
abstração e da fantasia, porque ninguém o alcança: estamos todos presos
neste exato momento.

Diante dessa visão simplista, passado e futuro transformam-se apenas em
sinalizadores de calendário, em semantica para designar quem você foi e
quem você pretende ser quando crescer. No entanto, são justamente esses
dois tempos que monopolizam o planeta. O presente, coitado, não tem
armas para combater duas superpotências chamadas Lembrança e
Expectativa.

O passado é um álbum de fotografias onde as cenas fora de foco não
entram. É a realidade revisada: recordar é esquecer a banalidade dos
fatos. Um encontro amoroso, o que é? Duas pessoas que se olham, se
tocam, se beijam, discutem, fumam, se beijam de novo, implicam uma com a
outra, riem, fazem juras eternas, espirram.

Esse encontro, 24 horas depois, será lembrado com mais boa vontade: a
fumaça do cigarro, as pequenas implicâncias e os espirros sumirão da
memória. Ficarão os beijos, as palavras e os olhares. Foi um encontro
mais ou menos agradável, mas será lembrado como mágico. A saudade faz
tudo subir de escalão.

Suas férias estão sendo boas, mas chove há três dias, a cabana que você
alugou não era bem como o corretor descreveu e você está sentindo falta,
não conte para ninguém, do trabalho! Mas, ao voltar para casa, a
lembrança tratará de aperfeiçoar aqueles 30 dias em Camboriú e você não
cansará de dizer que suas férias foram magníficas. Até mesmo dores
antigas ganham novo status ao serem recordadas: dor-de-cotovelo vira
aprendizado e aquela vontade de se atirar embaixo de um ônibus vira um
profundo processo de autoconhecimento. Ter sofrido no passado é sempre
didático.

O futuro é outra flor de simpatia. A expectativa veste a todos muito bem,
coloca sábias palavras em nossa boca e uma fortuna em nosso bolso. A
megasena acumulada que será sorteada daqui a alguns dias, a entrevista
de emprego marcada para quinta, o próximo verão em Punta, não sairá tudo
como planejamos? Quem dera. A realidade nunca foi páreo para a
imaginação.

Fica o presente, então, encurralado entre esses dois períodos
emblemáticos, o passado e o futuro, quando na verdade ele é que deveria
ser a estrela da festa. O antes e o depois são apenas figuração: durante
é que o desejo é real, que as pernas tremem, que o coração dispara, que
o abraço ainda está quente. A vida é breve e só existe este instante.
Amanhã um pintor de parede estará cobrindo o chão com esse jornal e
minha crônica servirá de capacho para um tênis sujo de tinta. Tic-tac,
tic-tac. O tempo não perdoa.

[Martha Medeiros]

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